terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Deus me defenda da minha "macumba"


            Após um bom tempo, ouvi novamente na rádio a canção “Reza”, composta por Rita Lee e Roberto de Carvalho. De melodia leve, nada deprimente, a letra se torna simpática pelo jogo de verbos e substantivos que formulam a guerra que o “eu” da canção enfrenta ao desejar ser livre do “outro”, mas ao mesmo tempo querer o contrário.
O pedido para que Deus proteja, defenda, salve, ajude, imunize, poupe da inveja, macumba, praga, raiva e do veneno do destinatário desse jogo melódico me causou um questionamento. 
Já parou para pensar quantas vezes somos os corretos, mais experientes e bem resolvidos, em detrimento à pequenez e ao erro de um segundo, ou um terceiro? Se um relacionamento não deu certo, a culpa não é nossa. Uma amizade azeda parte do limão alheio. O louco está lá, não aqui. O espelho só nos serve para pentearmos os nossos cabelos (para quem ainda os tem) e mostrarmos diante daqueles que não se enxergam. Não nos enxergamos, em quase todo tempo.
            Nos períodos, quando comemoramos o final de mais um ciclo, e o início de um novo, a tendência é apostarmos em mudanças. Listas com tópicos das tomadas de decisão por uma dieta e um corpo melhor, por um curso, outro emprego, entrar em um relacionamento, ou optar pela solteirice, ter um encontro espiritual, pintar a casa, adquirir novas roupas, ler mais e ganhar mais dinheiro normalmente estão em destaque.
            Em contrapartida, decidir julgar menos, ser mais atencioso, cuidar mais de alguém, dar mais carinho em vez de presentes, falar palavras que borbulham as boas sensações do ego durante o dia inteiro, ser menos agressivo, perdoar, se doar, olhar com ternura para, seja lá quem for, como uma pessoa que também tem seus sentimentos e emoções dificilmente estão nas nossas listas.
             De quem é a "macumba", então?
             Feliz recomeço para nós! 



              

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O valor do efêmero


Não temos noção de como várias situações e coisas em nossas vidas são efêmeras, passageiras, até o dia em que as perdemos. Perdemos pessoas e somente aí atribuímos a elas um real valor, pois enquanto estavam conosco isso parecia não existir.
Esse texto não veio em má hora em minha vida. Não perdi ninguém, ou nada. Simplesmente ouvi a canção “Efêmera”, da artista Tulipa Ruiz, cujo embelezamento poético nos convida a refletir acerca da possibilidade de aproveitar um pouco mais o tempo, as pessoas e as coisas que passam por nós num simples piscar d´olhos.  
Somos prisioneiros do desvario cronológico criado por nós mesmos: a pressa. Prisioneiros de um sentimento corrosivo e cancerígeno domesticado por nós mesmos: a mágoa. Escravos da competitividade, dos julgamentos e preconceitos. Crescemos frequentando uma escola de vida que nos ensina a ser melhores que os outros, não importando o preço a pagar. Pedra na cor que não é minha; chute na fé que condeno; água fervente no cabelo crespo; porrada nos trejeitos;  tiro de largada para a corrida dos seres superiores.
Quanta loucura!
O efêmero vai continuar passando, pois para isso foi responsabilizado. E nós? Será mesmo necessário perder tudo para olharmos para trás e desejarmos ficar mais um pouquinho?
“Vou ficar mais um pouquinho para ver se acontece alguma coisa nessa tarde de domingo. Congela o tempo pr´eu ficar devagarinho com as coisas que eu gosto e que eu sei que são efêmeras e que passam perecíveis, que acabam, se despedem, mas eu nunca me esqueço”. O tempo não para, como diria Cazuza. O tempo é hoje! A oportunidade é agora! Há a escolha de continuar na evolução da descoberta para a qual a canção de Tulipa nos remete: O recomeço!  

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A vida é assim: um desce, o outro sobe!


Foi o que ouvi de uma senhora que descia a escada rolante de um supermercado empurrando um carrinho com as suas compras. Na escada ao lado, eu subia empurrando o meu pensando o que iria comprar. Naquela mesma semana fui a uma consulta com um nutricionista e já estava na guerra psicológica para não entrar em uma neura alimentar. 
Aquela mulher estava olhando para mim, quando falou a curta anedota logo pela manhã. Acho que eu deveria estar realmente com cara de quem dialogava comigo mesmo sobre “Comprar, ou não comprar? Eis a questão!” um saco de batatas fritas, sorvete e embutidos, ou ingredientes para uma salada, carne branca, pão integral e frutas.
Continuei andando e logo fiz uma analogia com a atual situação brasileira. Crise econômica; desvarios políticos. Cortes, demissões, aumento dos preços de tudo e mais um pouco. Uma sensação de guerra fria, talvez! E, como se não fosse suficiente, talvez para dar um intervalo nos assuntos insistentes da mídia, surgem denúncias de discriminação racial que atrizes como Taís Araújo e Sheron Menezzes vêm sofrendo nas redes sociais. Não as menciono por serem globais, pois outros profissionais, pessoas famosas, esportistas e até mesmo anônimos vêm enfrentando isso. 

A questão não é quem está sendo a vítima. O fato é ainda existir tão pequena atitude de quem acha que tem o direito de dominar o mundo por ter uma cor, cabelo, religião, procedência melhores, além de usar xingamentos xucros. É uma pena! Não acredito que somos um cabelo, uma barriga, uma perna ou uma bunda; não somos o resultado do que o bisturi faz; nem somos uma cor, ou uma religião; tampouco somos uma frustração, ou um insucesso, um acaso. Acredito que somos o que está dentro de nós. Somos emoções, somos vontades, somos anseios e sonhos. Somos doação. Somos pessoas. Somos construção. Somos passageiros, inclusive. É uma pena vivermos em um momento tão inteligente, de tantas descobertas, mas com tanta gente subindo em detrimento à descida de outras. Tantos preconceitos de todos os tipos e tanta agressão de todos os modos. Pois que percam tempo tentando projetar a sua pequenez e frustração humilhando os outros. 

Ganharei meu tempo admirando “Eu sou neguinha”, composta por Caetano Veloso e lançada em 1987. Uma letra filosófica que, ora mostra uma crise de identidade, ora mostra uma revolução do ser que descobre o valor da sua raça e seus movimentos no tempo e no espaço. Para defender esta causa, segue uma bela interpretação de Vanessa da Mata na cidade histórica de Paraty, no Rio de Janeiro.  Dança, Vanessa, e mostra a beleza desta raça! 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Alma erótica




Engraçado que, quando ouvimos falar a respeito de erotismo achamos que o sexo está ali exposto, a cobiça, ou a nudez, a pornografia, o pecado, o vício, o erro, o feio, o absurdo.
Na semana em que a poetisa, professora e filósofa brasileira Adélia Prado, nascida em Divinópolis (MG) completa 80 anos de idade, leio um dos seus textos que me marcou bastante: Erótica é a alma! O texto curto e poético mostra a inevitável ação do envelhecer e as suas consequências: “as pernas irão pesar, a coluna doer, o colesterol aumentar. A imagem no espelho irá se alterar gradativamente e perderemos estatura, lábios e cabelos”.
No entanto, segundo a autora, poderemos passar por tudo isso com muito humor renovando a mobília do nosso interior. Fantástico isso! Normalmente, a nossa tendência é guardarmos “móveis” velhos, usados, mofados e em desuso no nosso interior. Acúmulo de mágoas, rancores, comparações, preconceitos e julgamentos.
Que peso!
O erotismo da alma está no contrário. Não no sentido lascivo, sexual, como dicionarizado. Mas no sentido do desejo pela aceitação, do anseio pela liberdade das cruzes carregadas por tanto tempo. “Erótica é a alma que se diverte, que se perdoa, que ri de si mesma e faz as pazes com sua história...  Erótica é a alma que aceita a passagem do tempo com leveza e conserva o bom humor apesar dos vincos em torno dos olhos e o código de barras acima dos lábios. Erótica é a alma que não esconde seus defeitos, que não se culpa pela passagem do tempo. Erótica é a alma que aceita suas dores, atravessa seu deserto e ama sem pudores”.
Não posso deixar de mencionar a performance de Zélia Duncan para a canção “Alma”, composta por Arnaldo Antunes e Pepeu Gomes, veiculada no álbum de Zélia chamado “Sortimento”, de 2001. Um jogo de cores leves, melodia simpática e a junção da natureza para interpretar a epiderme, o toque, o descobrimento da alma leve, liberta e erótica.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Prefiro o abraço!



           
           Não sei se você concorda comigo, mas a nossa postura corporal tem mudado há uns anos. Não andamos mais olhando o rosto e os olhos das pessoas, não cumprimentamos mais, não temos mais como dizer palavras de gentileza. Aliás, o que são as palavras de gentileza?

Isso pelo simples fato de estarmos mais com a cabeça baixa dando conta dos aparelhos celulares, ou dos tablets, e das tão ansiosas e exigentes redes sociais. Não critico os aparelhos, ou as redes, pois também faço uso deles e isso faz muito bem, além de ter a sua grande serventia. A questão está no fato de em quem estamos nos transformando, se cada vez mais robóticos, excludentes, sozinhos, individualistas, e mais interessados na vivência e privacidade alheias, do que nos nossos próprios consertos. Um livro bastante interessante e atual sobre isso é “O show do eu: a intimidade como espetáculo”, da autora argentina Paula Sibilia, publicado pela Nova Fronteira, 2008.
                   São muitas informações instantâneas e realmente fica difícil administrar tanta pressa. Somos muito cobrados a dar conta de todas as atualizações, caso contrário não seremos letrados, e dificilmente aceitos nos grupos dos mais ligados na fábrica das novidades.
                Não estranho o fato de artistas globais, bem como outros cansados desse sistema da pressa, por vários motivos seus decidirem se retirar e viver em um mundo paralelo em cidades mais tranquilas. Lembrei-me da atriz Ana Paula Arósio, que saiu da mídia e vive como criadora de cavalos em uma fazenda.
            Recebi de um amigo a imagem de uma campanha para o contato pessoal, para as palavras, os elogios, e para o cuidado com o outro rompendo as barreiras da pressa, da produtividade e da internet. Um convite para uma amizade real, mais concreta, pois as relações estão cada vez mais descartáveis e os abraços cada vez mais extintos. Tudo muito abstrato. Estamos nos esquecendo de que, por mais que evoluamos e estejamos imersos na tecnologia, as palavras de gentileza sempre serão melhores com um abraço. É isso que prefiro. 
                             Para concluir, vale a pena ver o vídeo sobre José Datrino, carioca mais conhecido como o Profeta Gentilezae ouvir a bela voz de Marisa Monte.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Alice e a lagoa de lágrimas




            Esses dias li o clássico “Alice no país das maravilhas”, publicado pelo autor inglês Lewis Carrol por volta de 1865/1866. Já estava devendo a sua leitura há anos!
O livro narra os sonhos aventureiros da menina após seguir um coelho falante e cair em um túnel. Lá, em contato com um antídoto, ela fica do tamanho aproximado de 25 centímetros, mas num segundo momento chega aos 2 metros e meio de altura. Dentre as suas experiências e descobertas a personagem vive um de seus dramas e “continuou chorando, despejando baldes de lágrimas, até que começou a se formar uma grande poça em sua volta, com uns dez centímetros de profundidade, chegando até o meio da sala”. (página 24 da edição de 2009, Editora Cosac Naify).
Deixando as aventuras e fantasias um pouco à parte, também li sobre Nicholas James Vujicic. Ele nasceu em 04 de dezembro de 1982, em Melbourne, Austrália. É um evangelista, palestrante motivacional e diretor da Life Without Limbs (Vida sem Membros). Nascido sem pernas e braços devido à rara síndrome Tetra-amelia viveu uma vida de dificuldades e privações ao longo de sua infância. No entanto, ele conseguiu superar essas dificuldades e, aos dezessete anos, iniciou sua própria organização sem fins lucrativos e começou suas viagens como um palestrante motivacional. Sua vida atraiu mais e mais a cobertura da mídia de massa. Já assisti a alguns documentários sobre ele nos canais Discovery.  Atualmente, ele dá palestras sobre vários assuntos tais como a deficiência, a esperança e o sentido da vida.
            A relação entre esses dois personagens, embora distintas as suas vidas, faz com que paremos diante de nós mesmos e de nossa “nada mole vida” para entender quais escolhas temos feito. Muitos de nós não temos falta alguma, seja física, ou de aparência, econômica ou de formação; outros não têm as pernas e os braços, os olhos, os ouvidos, a língua, perspectiva de futuro, grandes sonhos profissionais.
                 Vale a pena ver esse pequeno vídeo sobre a vida de Nick:


            Reclamamos da comida repetida, do sal que não está no ponto, do trânsito, da segunda-feira que voltou, do cabelo que não está conforme as revistas e novelas, da barriga que não seca.

Uns choram derramando baldes de água e criando poças profundas ao seu redor, enquanto outros sorriem, cantam, respiram a leveza da vida. A grande questão é: podemos escolher viver na lagoa de lágrimas, ou tornar a vida em uma grande palestra motivacional.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Adeus à Pêra



Marília Marzullo Pêra, nascida em 22 de janeiro de 1943, no Rio de Janeiro, se despede do Brasil e do mundo hoje, 05 de dezembro de 2015, aos 72 anos. Atriz, cantora, dançarina, coreógrafa, produtora, diretora, com olhos grandes e boca carnuda trabalhou em mais de 50 peças, quase 30 filmes e cerca de 40 novelas, minisséries e programas de televisão.
Cuidadosa com a saúde, praticante da yoga e do pilates, além de adepta às caminhadas, era elegante, possuía uma finesse natural e um arquear de sobrancelhas charmoso.
O mais interessante é assistir a uma entrevista com a própria Marília dizendo que se sentia em uma ostra de tão tímida, não gostava de lugares barulhentos e só conseguia ser tão comunicativa e extrovertida quando atuava. Vivia viajando para assistir a espetáculos e óperas em outros países. Quão chique e poderosa!
Parece que alguns ícones são menos mortais do que outros. O que quero dizer é que estão sempre ali, atuando, corrompendo os bons costumes, preenchendo bons espaços midiáticos e artísticos nos trazendo lições da sétima arte, dentre outras. Percebemos que estão de passagem e têm o seu tempo estimado, como qualquer outro ser humano, quando recebemos a notícia de sua viagem ao ouvirmos o seu nome na tevê na primeira chamada do jornal.
Uma das suas atuações das quais até hoje me lembro, é a interpretação de Juliana, da adaptação que a Rede Globo fez do romance português de Eça de Queirós.  Personagem de peso, a mais complexa e elaborada de toda a obra, ela impressiona por sua vida interior. Magra, feia, solteirona, virgem, empregada há muitos anos, sente-se desesperada ao perceber que não terá meios para deixar essa condição de vida. E Marília Pêra deixa o seu recado com perfeição na atuação dessa adaptação. Quando grita “Hei de sair, se eu quiser!” com tanta veemência para Luísa, a sua patroa, me pus a pensar se Marília disse o mesmo hoje pela manhã, quando se despedia de nós e olhava com a mesma finesse para o que ficava para trás.

Ela nos deixa o seu glamour, a sua ousadia versátil, a sua sobrancelha arqueada. Nos deixa a Juliana, a Coco Chanel, a Carmem Miranda, a Gioconda, Maria Callas, Dalva de Oliveira, dentre tantas quase inumeráveis atuações. E lições.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Lava a jato




O meu carango “suplicou” essa semana por um banho. E lá vou eu atender ao seu “pedido”. No meio do caminho, enquanto buscava na minha gaveta de recordações sobre lugares, escolhi a qual lava a jato, próximo à minha casa, confiar os cuidados do meu companheiro de todas as ruas e avenidas.
Fiquei surpreso, porque o local oferecia serviço de entrega em domicílio, após o serviço ser completo. Mas, decidi aguardar ali mesmo lendo o jornal do dia. Até que me deparei com assobios e cantaroladas dos funcionários empilhados de carros para dar conta. Inclusive o meu. 

Olhei por cima dos óculos, enquanto baixava o jornal discretamente, para observar por uns instantes a performance daqueles homens diante da quantidade de serviços e clientes que ali aguardavam.
Pois é! Estavam lá felizes da vida, com seu trabalho “simples”, porém digno como qualquer outro; cantando e assobiando como quem não tem grandes problemas; satisfeitos com o seu salário, seu grau de instrução, sua família e religião. Parecia que a única preocupação era embelezar aqueles carros com a sua arte de “banho e tosa”.
E cá estava eu: lendo um jornal para saber quantos assaltos ocorreram no dia; acidentes; assassinatos; quem vendia ou alugava algo; qual time tinha feito mais gols; vendo quem tinha mais direito de posar na página da high society; ansioso para cumprir os horários dos meus compromissos e preocupado em dar conta de toda a agenda com a qual me comprometi.
E estava à minha frente, dentre assobios e cantaroladas, a grande lição do lava a jato!


quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Quando eu crescer, quero ter uma papelaria




            Com tantas informações que circulam nas redes sociais, em termos de frases, vídeos ou imagens, fica até difícil pararmos para admirar com afinco e atenção algo pontual. Mas foi exatamente isto que me aconteceu, quando vi uma postagem que dizia “quando crescer, quero ter uma papelaria”. Era apenas mais uma imagem que objetivava a diversão dos seguidores. Não correspondia a uma criança ingênua, cujos sonhos não haviam amadurecido. Estava lá a expressiva imagem e me pus a pensar.
            No sistema em que vivemos, cujas expressões-chave são “ter”, “produzir”, “concorrer”, “crescer”, “poupar”, “publicar”, “se destacar”, “ser o melhor”, dentre várias outras desse mesmo campo de sentido, não sobra muito espaço e tempo para algum indivíduo pensar “ser alguém melhor” para os outros menos favorecidos, para a família, para os filhos, amigos, meio ambiente, animais etc.
             No tocante à expressão “ter”, raramente encontraremos um sobrevivente a esse sistema que queira adquirir o mínimo possível, sem grandes anseios, concorrências, enfrentamentos e adoecimentos. Menos ainda podemos achar quem queira “ser” menos.
            Mais assustador, ainda, é perceber que muitos de nós não temos expectativas próprias. Normalmente são baseadas nos desejos alheios: ser o que o meu pai quer, o que a minha mãe pediu, ter aquilo que me destaca e me faz ser aceito.  Se assim não for, quem somos nós?
Há aqueles que não têm os outros para quem corresponder às expectativas. Há quem os têm, mas não correspondem. E há os sem expectativas.

Quem de nós quer “ter uma papelaria quando crescer”?   

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Vou superar! O que me resta é superar!



Foi o que pensou a aclamada atriz e escritora Fernanda Pinheiro Esteves Torres, mais conhecida como Fernanda Torres, ao ser vaiada em uma de suas apresentações teatrais na Alemanha.
Em uma entrevista dada ao Ofício em Cena, da Globo News de 10 de novembro de 2015, a atriz traz uma grande lição sobre as possibilidades de sermos vaiados. Me desculpem os que não a admiram, mas acho um charme as suas performances e o seu sempre bom humor.
Por isso posso dizer: Uau! Tão destacada e profissional, ainda soube tirar de letra um espetáculo de vaias e batidas com os pés no chão do teatro, que o público alemão produziu em demonstração da não satisfação com a peça.   
Me perguntei, ao assistir à entrevista, qual poderia ser a minha reação diante daquele constrangimento. Claro que não obtive respostas, uma vez que nunca estive em tal situação. Talvez começaria a vaiar e bater os pés no chão acompanhando a plateia; talvez sairia correndo; me jogaria ao chão forjando um desmaio; gritaria; choraria...não sei.
Embora não saiba dar respostas a essa minha indagação, de uma coisa tenho certeza: costumamos não superar situações menos expositivas e constrangedoras. Desafios; desavenças; palavras rudes; o silêncio; o não sorriso; uma observação; a falta de um “bom dia”; o trânsito; os horários; o café frio; a falta de sobremesa; uma reunião; o cartão de crédito; o barulho do vizinho; um choro de uma criança mimada; a fé alheia.

Mudemos o nosso rumo. O que nos resta, então, é superar “as vaias da plateia”.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

720 horas


           
http://obviousmag.org/devaneios_em_catarse/2015/sobre-nosso-tempo.html

Dezembro começou e faltam somente algumas horas para cantarmos “adeus, ano velho!”. Iniciei o meu dia dizendo “não” para algumas obrigações planejadas e sai para passear na praia, tomar um pouco de sol e água de coco. Não consigo ter este tipo de atividade diária normalmente, mas hoje me dei o direito.
Me dei o direito de pensar que onze meses se foram e sobre o que adquiri de experiências, conhecimento e maturidade. E o melhor disso: autoconhecimento. Quase tive a impressão de que mais um ano me deixaria e eu não aprenderia um pouco mais de mim.
Me dei o direito de olhar para as pessoas que por ali passavam. Algumas sem pressa; já outras...
Me dei o direito de contemplar os coqueiros, a areia, as ondas, os prédios, os barcos, gente que tomava sol e se bronzeava.
Tive o direito de refletir acerca de não poder ir além das minhas próprias forças e energia naturais. Não sou Deus mesmo!
Nem pude ir de encontro às situações que não me cabiam resolver.
Restam mais algumas 720 horas para que eu continue buscando autoconhecimento, tranquilidade, equilíbrio físico, mental e espiritual aceitando a dinâmica da vida, que a mim foi oferecida no ano que se vai agarrado a este último mês.

E restam essas horas como preparação para fazer a diferença no ano que vai nascer. Tudo pode ser novo a partir do hoje. É tudo questão de escolha!   

Com os olhos bem abertos



               Uma passagem bíblica me chamou a atenção hoje pela manhã: “Abre os meus olhos para que eu possa contemplar as verdades maravilhosas da tua lei”.  Neste Salmo 119:18 o autor parece estar em uma espécie de insistência imperativa ao clamar ao seu Pai por mais visão. Mas não qualquer tipo, pois isto se confirma quando lemos o seu desespero adiante: “O meu coração sofre, ansioso, pois, em todos os momentos, quero conhecer a tua vontade”, no verso 20.
            Considero bastante interessante essa forma do rei Davi falar com Deus, imperativamente, ao dizer “abre os meus olhos”, sem pedir “por favor”, “por gentileza”, “por obséquio”, expressões que qualquer um de nós usaríamos tendo em vista que colocamos esse Deus, quem chamamos Pai, em uma posição de distanciamento suficiente para não termos a menor iniciativa de falar com Ele diariamente, já que com generais, ou com outras patentes, não temos livre acesso.
           O modo de se dirigir ao Senhor mostrou tamanha aproximação, que não é em vão o fato de Davi ter sido chamado “o homem segundo o coração de Deus”, exatamente por ter uma relação de intensidade, mesmo tendo cometido seus enganos e desenganos, como qualquer “homo sapiens”.
      Contemplar as verdades da vontade de seu próprio Pai. Que beleza poética! Não conseguimos estabelecer esse tipo de desejo nem mesmo com os nossos pais de sangue, de criação, ou qualquer outro referencial dado a nós, imagine desejar isso a respeito de alguém quem não vemos. E é este o ponto chave: fé! A decisão de se jogar e navegar em águas desconhecidas fisicamente.

        Estudos dizem que o mal do século é a ansiedade.  Uma das causas de transtornos e patologias. Sem querer desmerecer, ou criticar os meus semelhantes que sofrem de algo deste tipo, pois eu mesmo sofro dos mesmos males e outros para completar o balaio, mas me pus a pensar: a ansiedade de Davi era diferente. Ele queria conhecer profundamente a vontade daquele com quem tinha uma intimidade frenética, contemplar as belezas de algo a ser falado por esse Senhor. Será que o famoso rei desenvolveu algum tipo de “patologia” como produto desse tipo de ansiedade? Insônia? Transtorno obsessivo compulsivo? Parece ser um bom caminho a seguir, tendo em vista o ganho de estar com os olhos bem abertos contemplando a ampla beleza deste Ser.

O interfone



            Há algum tempo tenho selecionado o domingo como “o dia para ninguém”. Explico: somente a minha família receberia a minha atenção durante aquelas horas tipicamente preguiçosas. Como não moro mais com os meus pais, separo esse dia para sairmos juntos, visitarmos as praias, restaurantes, feiras, espaços culturais ... nada cansativo, ou que exija muito esforço.
Muito embora esse seja o nosso dia de encontro e passeios, decidi ficar em casa deitado na rede e lendo. A falta de disposição para fazer qualquer outra coisa realizada nos outros dias da semana, como sempre, foi a mesma típica de todos os outros domingos. Para mim, o nome do primeiro dia da semana deveria ser “dominguiça”!
Não sei por qual motivo, mas algum vizinho descobriu que eu estava em casa, a despeito de minha porta e grade principais permanecerem fechadas, televisão desligada. Apenas eu, a rede e um livro de crônicas de Martha Medeiros. No intervalo entre as páginas humoradas, o interfone toca insistentemente. Não seriam os meus pais, muito menos amigos com quem me socializo durante a semana. Tampouco seria a minha orientadora da pós-graduação, pois nem mesmo sonha onda moro (graças a Deus!). Restaram-me as opções dos presentes vizinhos.
Parei e pensei se deveria atender às insistentes chamadas. Decidi não me levantar da rede e parar a leitura. Não por indisposição, mas porque refleti sobre o fato de sempre fazermos tudo com tanta seriedade, sobriedade, perfeição, e estarmos sempre preparados para atender a qualquer chamada (mesmo as que são cobrar!).
Atendemos com tanta ligeireza e presteza aos pedidos de “socorro” de nossas famílias, às súplicas dos amigos, aos prazos de entrega de nossas produções intelectuais, ou de trabalhos, às datas de pagamentos de contas fixas e cartões de crédito. Emprestamos os nossos ouvidos com tanta empatia, selecionamos expressões cabíveis ao coração de quem precisa de direção.
Decidi! Simplesmente decidi fazer o que diz o texto de Clarice Lispector: “Mude! Mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade”.
Não movi meu corpo em direção ao cômodo onde fica o interfone. Deixei que exercesse o papel para o qual foi designado: chamar atenção! E, após mais algumas páginas viradas do livro, analisei que assim devem ser as nossas atitudes para sairmos da rotina da empatia, presteza, ligeireza, disposição, produção e empréstimo dos nossos ouvidos. Apenas respeitar o direito de ficar um pouco na rede com a nossa autocompanhia. E a de um livro.

Ah! O interfone cansou de fazer o anúncio de que alguém me procurava e até hoje não me avisou quem era.  

Imagem do cartunista Benett

O mais sóbrio




Acompanhei uma amiga a uma instituição religiosa onde não havia entrado antes. Ela insistiu como uma forma de retribuição por ter aceitado um convite meu anterior. Amigos são assim mesmo. Vivem nesses acordos e desacordos!
Durante o desenrolar das práticas daquele lugar um homem, aparentemente bêbado, aparentemente insano, quiçá os dois, entrou naquele lugar e perambulou cada lado, cada extremidade como quem admirava a distribuição das pessoas nos bancos, o líder que anunciava o seu sermão e os objetos que caracterizavam aquela identidade.
            De imediato os “fiéis” perderam a concentração, assim como o anunciador das palavras, pois aquele homem cheio de liberdades andava, olhava e parava com as mãos na cintura diante da plateia. Parecia estranhar todo aquele ritual e os rostos por ele conhecidos na cidade. Todos ali naquele lugar com muita ordem e decência.
            Dois pensamentos me vieram à mente: o mais sóbrio ali parecia ser exatamente aquele homem; e em segundo lugar: ele poderia ser o mais necessitado de todos.
            Pensei que ele pudesse ser o mais sóbrio, porque era o único que não seguia aqueles modelos e tradições oferecidos pelo perfil daquele ambiente. Observei cautelosamente que todos os homens, mulheres e crianças ali presentes repetiam mecanicamente o que decorria naquela prática. Aquele homem diferente fazia o contrário. Andava, abria os braços, observava, estendia as mãos para o altar, colocava as mãos na cintura, mas não repetia nada feito pela congregação. Ele só poderia estar lúcido ao olhar para o alto, para o altar e pensar: será que sou o único a me sentir à vontade na presença daquele que dizem ser o Deus deste lugar?
            O meu segundo pensamento foi tomado por uma estranheza no íntimo ao imaginar que aquele sujeito poderia ser o mais necessitado naquele momento. Ninguém o cumprimentou, ou o olhou a não ser por deboche, ou por achar engraçada a presença daquele ser perambulante.

             Quem estranhava quem ali? Quem precisava mais de quê? Quem estava sendo ridículo? E de quem a sobriedade caminhava ao lado?

Imagem retirada de: http://tuporem.org.br/como-o-pensamento-critico-salva-a-fe/

Voanças



Viver algum tipo de relacionamento é algo útil para todo ser humano. Seja amoroso, familiar, de amizade. E, se possível, por várias vezes até encontrar um lugar seguro. Não sei até que ponto importa se essa vivência dura décadas, meses, dias ou horas. Acredito que qualquer vivência nos traz experiências. Sem esta não posso ouvir, enxergar, tocar, ler, interpretar, pois ficarei protegido em mim mesmo com medo de correr o risco de me autoconhecer. Não me refiro ao conhecimento intelectual, cognitivo, por muitas vezes protetivo, embora, por vezes destrutivo.
Para muita gente vale mais a conhecida expressão “fechado (a) para balanço”.  Penso que estar “fechado” significa não se permitir ter sensações. Sem estas não sei do que posso gostar mais, ou menos; não sei dos sabores; não conheço os pontos que me excitam, ou incitam. Apenas me protejo. Do quê mesmo? Da dor? Mas qual o nome desta “dor”? Da provável alegria e cumplicidade?  Não vivendo, nos protegemos de quem? Da nossa mãe, ou pai? Físicos ou psicológicos? Do Sol? Daquele amor anterior?
            Por uma causa justa considero todo tipo de experiência algo muito positivo: saber quem de fato nós somos. Experimentar apenas um âmbito é limitar demais as esferas das possibilidades. É nos limitar. E isto não é justo!
            Não que precisemos ser cabotinos, ladrões dos sentimentos alheios, egocêntricos, masoquistas... Mas, permitir ao outro ter um pouco de nós mesmos, e nos permitir carregar um pouco oferecido a nós é sempre algo enriquecedor.  Por isso as voanças, as liberdades, as permissividades, as vivências e os abraços às experiências. Seja lá por quanto tempo isso durar.

Ilustração de Javier Prez

O preço do café





            Fiquei curioso dias desses, porque vi um cartaz francês bem humorado sobre as diferenças de preços de cafés circulando em uma rede social. Pesquisei e descobri que o mesmo texto foi divulgado em alguns blogs brasileiros e franceses também. O humor está no fato de o preço da bebida variar de acordo com o modo com que o cliente a pediria: se de forma objetiva, ou com mais requinte.
Aprecio o sabor desta popular bebida, não obstante seja apenas um leigo no assunto. Aproveitei um momento vago e fiz um levantamento de alguns lugares para onde posso ir e degustar nos finais de tarde um cafezinho na minha cidade. Surgiu uma curiosidade por conhecer mais esses espaços, sua organização, detalhes que fazem a diferença na ornamentação, o estilo do lugar, a paisagem em torno, o atendimento e a clientela.
Não sei diferenciar os tantos sabores e tipos relacionados aos preparos e às combinações dos cafés. Porém, percebi o quanto me fazia falta passar uma semana sem os bons papos e as excelentes pessoas que me acompanhavam nessas descobertas. Acho que farei um projeto para desvendar mais espaços com esse perfil!
Sempre brinco com um amigo para quem lanço o convite de ir a um desses ambientes em nossas folgas. Digo que é a hora do café com prosa e filosofia, pois são os momentos para falarmos sobre nossa vida, nossos medos e ansiedades, projetos e planos, frustrações e sobre a vida alheia. Claro! Melhor ainda é tecer elogios, ou recebê-los, como a forma encontrada de agradecimento pelos preciosos minutos de dedicação à fala e aos pensamentos mútuos. Isso edifica. Isso engrandece. Amadurece. Reestrutura. Reorganiza. Conforta. Alivia.
É uma pena que esse tipo de projeto exista, bem como os ambientes e cafés, mas que o tempo seja tão pouco para alguns. Outros possuem tempo e disponibilidade, embora prefiram se esconder atrás das redes sociais e se esqueçam dos sabores, da existência, da edificação, do conforto, dos sorrisos, dos elogios. Se esquecem, também, de entender quanto custa o “preço” do café.
           



Beleza de cima, tristeza que a recebia





Quando viajava a trabalho mais uma vez no mês de março de 2015, o caminho mostrou-se deveras brilhante. Não no sentido do verbo dicionarizado, mas na situação oposta da imagem do céu e da imagem das vegetações e solo. Tudo seco, ou quase por chegar à sequidão, enquanto nos céus as nuvens se reuniam e decidiam o que fazer para desafogar o sofrimento daquele chão.
As nuvens bastante cinzentas e pesadas prestes a deixar chorar toda a água que não caía há tempos naquele lugar de minhas inúmeras visitações.   
Ao passo que ouvia canções no carro e era abençoado por sua companhia, fiquei meditando sobre aquela situação imagética tão oposta até que, sem esperar, passo por uma cidade onde a chuva cai desesperadamente quase me impedindo de enxergar à minha frente, pois a água e o vapor tomaram conta do caminho e do para-brisa do carro.
Foi quando me lembrei de que muitas vezes insistimos em permanecer na mesma situação da paisagem oposta, na qual a beleza se contradiz em meio a uma vida indecisa. Indecisa no sentido de que não optamos por nos entregar, por avançar, por mergulhar, experimentar ou viver. Indecisa pelo fato de, ora estarmos vivendo as influências de velhas vidas, lições não amadurecidas, ora agindo descabidamente. Às vezes, tudo de modo desproporcional.
Fico a imaginar se fôssemos capazes de viver como aquelas nuvens que se reuniam e decidiam derramar toda a água possível para saciar a sede de quem implora por gotas. Irrigar os solos arenosos e desgastados pelo tempo e por não conseguirem, sozinhos, frutificar.