Mais um aprendizado: as
primeiras superfícies capazes de refletir imagens começaram a ser feitas há
cerca de 5 mil anos, na antiga Suméria (no atual Iraque). Os espelhos dessa
época não produziam imagens nítidas, pois eram placas de bronze polidas com
areia. Já em 1835, na Alemanha, o químico Justus von Liebig desenvolveu um
método para aplicar uma fina camada de prata metálica sobre vidro, dando origem
aos espelhos modernos. Graças a esses pensadores, posso fazer a minha barba
mais atentamente!
Aprender sobre isso me
faz pensar: biologicamente, e socialmente, somos preparados para olhar o outro
e não para nós mesmos. Os nossos olhos veem o que está diante de nós. Não há
condições naturais para esses órgãos darem um giro e enxergarem o seu próprio
usuário. Ainda não evoluímos a esse ponto!
É verdade que, ainda
criancinhas, somos apresentados à nossa própria imagem refletida no espelho
apontando e repetindo “o neném”, como se falássemos sobre outra criança. Isso
perdura até termos a noção sobre a distinção do “eu/tu/ele”.
Já ao crescermos em
sociedade, aprendemos culturalmente a enxergar o semelhante como alguém com
quem podemos tecer afinidades. O contrário também é uma grande verdade: nos
afastamos dos diferentes por sentirmos o cheiro da desafinidade. Elaboramos um
tecido social com o qual nós, e outros afins, possamos nos cobrir. O diferente
não pode se cobrir com esse mesmo tecido. Continuamos a enxergar apenas a vida
do outro, como se fosse um sujeito sempre abaixo, menor, com diferenças
doentias e incuráveis. Afinal, os nossos olhos só olham para o que está à
frente.
Diante disso, fica
fácil transferirmos inconscientemente o nosso ideal de vida para esse outro.
Projetamos todos os nossos desejos e vontades sobre o semelhante. Procuramos
todas as peças de encaixes. Se uma delas não couber como deveria, provavelmente
será descartada. Afinal, sempre achamos ser melhores do que o outro, não é? Talvez tenhamos medo de descobrir quem somos diante de um espelho!
Somos assim. Evoluímos
assim. Deixamos os nossos modos pré-históricos de relação social, passamos a
olhar para frente e andar em pé; agora, olhamos muito para baixo para dar conta
dos tablets, smartphones e coisas do tipo. Até mesmo olhando para baixo e nos
comunicando por meio de um toque na tela, reunimos um grupo por afinidades, mas
sempre olhando para a vida do outro: Que roupa feia! Que pessoa feia! E esse
cabelo? Que sem-noção! Fala alto! Nossa! Por que não perde essa barriga? E por
que repete a mesma roupa? E essa cor de sapato? Tão bonita, mas namora alguém
sem beleza alguma! Olha que tatuagem de puta! Quanto trejeito de veado! Parece um maconheiro!
Dia desses, ouvi a
canção “Vá se benzer”, interpretada por Preta Gil e com a participação de Gal
Costa. Uma letra atual sobre diferenças, gênero, identidade. Um verdadeiro
manifesto! Me pus a refletir sobre essa questão do espelho. Esse objeto serve
apenas para dar um toque na nossa vaidade. Não nos colocamos diante dele e nos
perguntamos: quem sou eu? O que dói em mim? Por que sou tão resmungão? Por que
sempre o outro está errado e eu sempre certo? Por qual motivo sempre quero
provar para o outro quem sou eu?
A despeito disso,
usamos outros dois “espelhos” para mostrar quem são os outros: um tipo de
apontar e o nosso olhar.
Preciso me colocar mais
vezes diante do espelho enorme que há na porta do meu guarda-roupas, me benzer
e responder à questão: quem sou eu?
Nenhum comentário:
Postar um comentário