segunda-feira, 16 de julho de 2018

A casa de número 300


Por ter dificuldades com a medição de espaço, amassei o para-lama direito do meu carro. Passaram-se meses até que eu decidisse levar o meu companheiro diário para os devidos reparos. “Já que me trouxe a essa hora, o carro só ficará pronto em mais dois dias”, disse o dono do estabelecimento. Ele se referia ao horário de quase meio-dia, pois em estando em férias, achei que teria o direito de não sair cedo de casa em busca de serviços. Enfim. Deixei o meu pretinho básico lá.
Fui ver os meus pais e tomei a decisão de voltar para casa de ônibus coletivo. Difícil decidir, ante a gama de aplicativos de serviços de transporte, e por haver anos sem provar da experiência de um usuário de transportes públicos na minha cidade.
Pois bem! Fiz! Não sabia mais qual ônibus viria para o meu bairro, por qual porta deveria entrar, qual o valor da passagem, se ainda havia a função de um cobrador das passagens...fiquei com a sensação de não domínio daquelas simples ações corriqueiras, para tanta gente. Me achei um tanto adolescente, quando diariamente usava esses serviços assustado por ter de enfrentar o mundo lá fora. Drama de dois minutos!
A ação foi bem sucedida e me trouxe boas reflexões. Após descer do transporte, vim andando por cerca de cinco ruas até a minha residência e pude perceber como o dia estava quente, como os paralelepípedos estavam desiguais nas ruas, como havia água escoando no caminho, como uma cobra bastante verde havia sido esmagada por algum veículo, como havia letreiros e placas tão próximos à minha morada e eu não tinha tempo ou percepção para olhar tudo aquilo. Sempre estou de carro, sempre na dependência dele.
Fiquei a pensar sobre dependência. Celulares, redes sociais, opiniões, calor ou frio, café da manhã diversificado, aprovação, roupas novas, pessoas, agitações...tentei me imaginar sem tudo isso, uma vez que por apenas dois dias sentirei dificuldades sem o meu carro.
Foi quando pela primeira vez notei a casa de número 300. Tão próxima à minha, mas tão distante. A calçada dela estava bem limpa e revestida. As paredes externas com um simples, porém, bonito acabamento. Alguém trabalhou bem ali. Não era uma casa cheia de cores no lado de fora, mas estava tudo tão harmonioso! Por quanto tempo aquela casa esteve ali, sem que eu a notasse? Será que ela sempre me via, quando eu passava acelerado com o meu carro?

4 comentários:

  1. Adorei ler ... Me fez refletir sobre as coisas simples da vida que estão diante de nós...

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  2. Texto interessantíssimo! Adorei!
    A gente fica dependente de coisas que nos cegam..
    bjs Paulo!

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  3. Que linda reflexão! Temos tanto a observar, coisas simples e até majestosas feitas naturalmente ou construídas pela engenharia humana. Mas, às vezes, não temos tempo de olhar o mundo externo, visto que estamos "presos em nosso mundo", sempre tão nosso e ao mesmo tempo tão distante...

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  4. Percepção de quem somos por alguns minutos, às vezes o que mais vale a pena pode estar escondido ali, simplesmente a ser descoberto. Ameiii a crônica e super me identifiquei.✨

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