sábado, 31 de agosto de 2019

Campo Minado


Entendo perfeitamente o porquê de alguns de nós termos tanta resistência em buscar o que há de mais complexo dentro da alma. Dia desses, conversando com um colega, ele me disse nunca pensar sobre o que se passa dentro da sua mente, com medo de não conseguir voltar. Medo de se perder em si.
Não quis prolongar a conversa com ele sobre esse tópico, por perceber estarmos em caminhos bem diferentes, no que tange a buscar o pior, ou o melhor dentro de si.
Continuei as minhas caminhadas de vida e, como ocorre diversas vezes, me vi em um campo minado. É complicado me deparar diante de um desses campos, pois só os via na televisão, ou em filmes e séries. Agora, estava (ou estou) diante de um deles.
Cada bomba preparada e escondida nesse campo pode explodir a qualquer passo desprevenido que eu der. Não quero perder nenhum membro do meu corpo com as explosões. As bombas têm nomes. Uma delas é a autossabotagem.
Impressionante como tenho a tendência de colocar obstáculos em minha vida, quando me vejo diante de boas possibilidades. A minha mente tende a pensar que não sou merecedor daquele bom episódio.
Por anos, sem autoconhecimento, simplesmente me desligava das situações: encerrava ciclos antes do tempo, me despedia de amizades que poderiam ter durado, abandonava possibilidades de amores, por achar que o outro não era tão bom o suficiente para mim.
Na verdade, meu inconsciente me driblava! Me fazia acreditar que, por melhor que fossem as situações ou pessoas, eu não deveria investir em nenhuma delas, pois iria me decepcionar, iria sentir dor.
E a forma de achar que estava sempre bem comigo mesmo foi fugindo a vida toda, trabalhando em demasia e me tornando orgulhoso e prepotente, como forma de me proteger da possível dor.
Hoje, com um pouco mais de idade emocional (totalmente diferente da cronológica), me encontro diante da autossabotagem como mais uma bomba prestes a explodir no campo minado da minha psique. Busco estratégias para escapar de cada risco de explosão. Muitas vezes, sem sucesso! Uma grande explosão de um lado, outra de outro. Embora isso, venho aprendendo que o importante não é sair ileso do campo, mas sair consciente de que posso dar mais passos na dinâmica da vida, mesmo que alguma bomba inconsciente possa me ameaçar.
É uma batalha diária inverter o sistema de pensamento tão impregnado por um tipo de funcionamento, para poder dizer à minha mente que sou merecedor do universo de bondades: posso amar e ser amado; posso me sentir seguro com aquilo oferecido a mim, mesmo que demore; tenho a condição de ter dias melhores, de crescer, de amadurecer, de proteger e ser protegido dos dias de angústia.
A autossabotagem que costuma me perseguir, segundo o que venho encontrando como respostas, faz parte de uma infância sem proteção, sem segurança. Portanto, não poderia me tornar um adulto que se acha merecedor, protegido, amado. Passei muito tempo culpando os meus genitores por me sentir assim. Agora, não mais! Entendo que me deram o que poderiam me oferecer, mas eu interpretei e recebi do meu modo. Então, a guerra é minha, o campo minado é meu, as explosões podem ser trabalhadas.
O campo é largo e comprido, assim, vai ser complicado caminhar por ele sem cansaço, mas será necessário para encontrar o jardim mais adiante, pois a natureza é muito sábia!

domingo, 25 de agosto de 2019

No caderninho da Frida Kahlo

Revirando meus pertences, meus papeis no meu escritório, encontrei um caderninho, cuja capa é a estampa da Frida Kahlo.
Há textos meus nesse objeto, que foram escritos em 2016, quando enfrentava uma das grandes crises emocionais já vividas por mim.
Como sempre, não me lembro de onde estava, quando escrevi os textos. Apenas em um deles fiz menção a estar em um voo para Guarulhos/SP. Deveria ser o traslado para algum congresso na minha área de atuação.
Os textos são densos emocionalmente, pois se referem a angústias que vivi. Naquela época, já começava a faxina interior rumo ao autoconhecimento. Por não conseguir encontrar ainda o equilíbrio, a dor me parecia muito doída. Bem maior do que realmente era. Questionava o tempo, me zangava com Deus, me incomodava com o meu corpo, com o meu apartamento, com o silêncio, com o barulho, com as pessoas. E isso gerava mais ansiedade ainda.
Hoje, 2019, vi o caderninho e, não sei se por coincidência, ou por escolha do meu inconsciente, a capa é uma imagem da Frida Kahlo, artista mexicana que teve uma vida emocional e física bastante esmagada.
Estávamos juntos! Eu escrevendo em um caderno com ela me olhando o tempo todo!
Nesses três anos que se passaram, acredito não ter amadurecido tanto ainda. No entanto, vejo que já consigo acessar espaços em mim nunca visitados antes. Não sabia que existiram tralhas e mais tralhas: caixas, baús, brinquedos, choros guardados, traumas encobertos, desejos, medos, vergonhas, nomes esquecidos, nomes sempre lembrados, noites, dias, funerais, rituais, orações, viagens, despedidas, toques.
Se alguém me pedisse para destacar algo que percebo em mim com mais maturidade, eu diria: Hoje, 2019, entendo que as minhas emoções são minhas. As minhas carências são minhas e ninguém pode supri-las. Mas posso deixar a mendicância distante, lá atrás, mendigando ela mesma. Sou um homem! Sou forte! Sou bonito por dentro e por fora!
A faxina levará tempo ainda para ser concluída. Posso ser honesto? Nem sei se fazendo tantas diárias ainda conseguirei concluir, um dia, essa faxina. Embora isso, me sinto outro, por não esperar do outro, não julgar ou culpar ninguém nem a minha história. Sou quem sou hoje devido à minha história.
Pode doer vez em quando, mas já não será mais aquela dor maior do que realmente é. Minha alma está em 2019, não mais em 2016.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Pontes para uma história iluminada


Contemplo minha imagem física em um espelho procurando reinventar o que não é visível, ao perceber o quão minúsculo sou diante da entidade temporal.
Capacidade para explicar algo? Já não a tenho!
Pensei poder falar sobre sentimentos. Errei mais uma vez.
Foram anos navegando no barco do Tempo. Experiências de lá e de cá.
O Tempo novamente narra as suas crônicas, enquanto tento entendê-las. Tudo em vão!
Um ser novo, sendo agora um novo ser me mostra como tudo é possível. Veio sorrateiro, discreto. E conseguiu vencer a batalha.
Forte, destemido, corajoso, paciente.
E eu? Incrédulo!
Incrédulo até tê-lo por perto sentindo o sabor da sua pele.
Uma rosa no semáforo.
Um lençol para acalentá-lo à noite.
Brincadeiras de meninos.
Olhos. Bocas. Mãos. Palavras.
Revelação!
Angústia!
Silêncio!
Maturação!
Perdão!
Decisão!
Agora, a escolha da roupa ideal.
As tarefas divididas.
Os sonhos e planos não mais de um só.
O ser novo, sendo agora um novo ser veio me ensinar que tudo é possível.
Pratos preparados com um toque mágico de lá.
Admiração, carinho, orações e vibrações dos que ainda não te conhecem.
A escola é difícil, mas necessária.
Sim! Tudo e todos serviram de pontes para uma nova história iluminada.

E assim, surge o sentimento real, mais forte e mais puro. Estou aqui.
Vontade de estar perto da sua pele e do seu olhar. Mas o respeito por precisares de suas conquistas.
Fico aguardando em desejos dos melhores dias, do bem, do zen, do nós!

https://pixabay.com/pt/photos/ponte-p%C3%AAnsil-floresta-tropical-959853/




A sala pequena e escura do inconsciente


Por volta dos 10 anos de idade, ganhei uma máquina de datilografar de um vizinho adulto que dizia ver em mim potencial para a expressão escrita. Sempre gostei de tudo que fosse voltado para a linguagem. Embora tão menino, no início da década de 1990, a minha cabeça fervilhava de pensamentos, dificilmente interpretados, pois não tinha habilidade para isso.
Só sei que gostava de colocar aquele vendaval em um papel. Datilografava, tirava o papel, tentava fazer alguma ilustração e guardava tudo debaixo da minha cama, dentro de uma caixa de papelão. Eram meus segredos!
Onde eu usava a máquina? Em um espaço pequeno e escuro, escondido, não frequentado, entre uma parede, uma porta que nunca se abria e a Kombi estacionada do meu pai. Lá, ninguém iria tirar a minha atenção.
Enquanto as crianças da minha idade corriam nas calçadas, subiam árvores e faziam peripécias, eu escolhia escrever para acalmar o vendaval constante, que punha em risco uma vida que não vivia em paz. Ao sobrar tempo, eu corria para a rua, mas nem sempre aproveitava com qualidade as brincadeiras. Parecia que nossos mundos não se encaixavam.
Certo dia, confuso, criança, melancólico, peguei a caixa com os textos curtos datilografados, coloquei a máquina dentro e joguei tudo fora.
Ninguém nunca leu os meus textos, à época. Nem sei mais sobre o que eu escrevia.
Repeti esse comportamento várias vezes, sempre que tinha alguma crise, ao não conseguir acalmar os vendavais constantes. Colocava tudo em caixas e jogava fora.
Por uma época, me arrependi. Achei que nada daquilo deveria ter sido feito e que, hoje, eu poderia compartilhar as minhas inquietudes. 

No entanto, hoje, adulto, entendo que era o meu inconsciente quem me levava para aquele espaço escondido e escuro, e quem me fazia jogar os meus segredos no lixo dentro de caixas de papelão. Na verdade, eu descartava qualquer forma de dor. Qualquer indício de minhas ondulações psicológicas, já tinha destino certo: uma caixa de papelão no lixo.
Insegurança, trauma, crenças limitantes, carência dolorosas, choros escondidos estavam reunidos naquela sala pequena e escura do mundo físico aflorando o que estava no universo mental.
Hoje, guerreio contra esse universo mental. Não quero mais caixas de papelão e salas pequenas e escuras. Quero tudo livre, pleno, saboroso, consolidado, amigável, público.
Se eu me encontrar diante de uma sala pequena e escura do meu inconsciente, quero acender a luz, expandir as paredes, abrir as portas e caminhar livremente por elas.

Imagem de Peter H por Pixabay