segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Macarrão duro à luz de Velas


Que nem tudo ocorre como planejamos, já sabemos. Nem precisamos consultar conselheiros, Bíblia, manuais para casais etc. Nem tudo vai sair como queremos e é uma das leis da vida. Melhor aceitarmos, e vai doer menos.
Pois bem! No último sábado (21 de dezembro de 2019) passei uma boa parte do dia planejando um jantar romântico à luz de velas. Pensei comprar vários itens: toalha de mesa, velas perfumadas, vasinhos com flores. Nada disso deu certo e só comprei um pequeno Papai Noel para colocar na porta de entrada do apezinho e velinhas ligadas por bateria. Sim, não eram velas com pavio e fogo.
Passei um bom tempo pensando no que iria preparar para o cardápio da noite. Não poderia ser algo tão diversificado, pois, para esta temporada da nossa vida, só temos quatro panelas pequenas e um fogão com duas bocas.
Sendo assim, para não demorar com os preparativos do jantar, fiz uma macarronada relativamente básica, com queijo minas e outros ingredientes. Preparei suco de cupuaçu e também comprei um Chocotone.
Pedi para que ficasse no quarto e que não abrisse a porta, enquanto eu preparava o jantar. A sua tia veio em segredo nos ajudar trazendo uma mesa para dois lugares bem bonita, uma toalha para enfeitar aquela superfície e cadeiras. Combinamos que ela seria nossa maître, responsável pelo nosso bem-estar no “restaurante” em casa.
Resumindo. O macarrão ficou duro! Um vexame! Mas não se tinha mais o que fazer! Já havia escorrido a água, já havia preparado o molho, o suco, a mesa. O que restava agora seria torcer para que o molho estivesse bom e deixasse tudo bem saboroso. O molho ficou pouco, não deixou a massa solta. Outro vexame!
Eu, já ansioso para que não houvesse mais nada de errado, abro a porta e dou o sinal de que poderia vir jantar. A maître e eu nos assustamos com o grito dado, pois as luzes estavam apagadas e as velinhas acesas sobre a mesa: “Pensei que fossem duas visagens!”. Todos gargalhamos! 
Acervo Pessoal

Como de se esperar, brincamos com o fato de o macarrão ter ficado “ruim”. Mas a situação foi bem acolhedora e simpática, o que nos deixou leves com muitas conversas sobre nós e sentimento de gratidão.
Aprendi que é importante planejar algo diferente na vida a dois. Uma brincadeira, um jantar, velinhas, macarrão duro, maître. Quase nada pode ter saído como planejei, mas foi uma noite agradável, diferente e com o melhor resultado: olhos nos olhos e boa conversa em cumplicidade!
É fato que a vida a dois não é recheada de perfeição e sorrisos, afinal, somos dois seres diferentes. Mas, venho aprendendo que os pequenos gestos cativam bem mais do que os grandes banquetes.
O que nos resta para surpreender alguém com algo simples?
Já estou “planejando” a próxima macarronada!


sábado, 31 de agosto de 2019

Campo Minado


Entendo perfeitamente o porquê de alguns de nós termos tanta resistência em buscar o que há de mais complexo dentro da alma. Dia desses, conversando com um colega, ele me disse nunca pensar sobre o que se passa dentro da sua mente, com medo de não conseguir voltar. Medo de se perder em si.
Não quis prolongar a conversa com ele sobre esse tópico, por perceber estarmos em caminhos bem diferentes, no que tange a buscar o pior, ou o melhor dentro de si.
Continuei as minhas caminhadas de vida e, como ocorre diversas vezes, me vi em um campo minado. É complicado me deparar diante de um desses campos, pois só os via na televisão, ou em filmes e séries. Agora, estava (ou estou) diante de um deles.
Cada bomba preparada e escondida nesse campo pode explodir a qualquer passo desprevenido que eu der. Não quero perder nenhum membro do meu corpo com as explosões. As bombas têm nomes. Uma delas é a autossabotagem.
Impressionante como tenho a tendência de colocar obstáculos em minha vida, quando me vejo diante de boas possibilidades. A minha mente tende a pensar que não sou merecedor daquele bom episódio.
Por anos, sem autoconhecimento, simplesmente me desligava das situações: encerrava ciclos antes do tempo, me despedia de amizades que poderiam ter durado, abandonava possibilidades de amores, por achar que o outro não era tão bom o suficiente para mim.
Na verdade, meu inconsciente me driblava! Me fazia acreditar que, por melhor que fossem as situações ou pessoas, eu não deveria investir em nenhuma delas, pois iria me decepcionar, iria sentir dor.
E a forma de achar que estava sempre bem comigo mesmo foi fugindo a vida toda, trabalhando em demasia e me tornando orgulhoso e prepotente, como forma de me proteger da possível dor.
Hoje, com um pouco mais de idade emocional (totalmente diferente da cronológica), me encontro diante da autossabotagem como mais uma bomba prestes a explodir no campo minado da minha psique. Busco estratégias para escapar de cada risco de explosão. Muitas vezes, sem sucesso! Uma grande explosão de um lado, outra de outro. Embora isso, venho aprendendo que o importante não é sair ileso do campo, mas sair consciente de que posso dar mais passos na dinâmica da vida, mesmo que alguma bomba inconsciente possa me ameaçar.
É uma batalha diária inverter o sistema de pensamento tão impregnado por um tipo de funcionamento, para poder dizer à minha mente que sou merecedor do universo de bondades: posso amar e ser amado; posso me sentir seguro com aquilo oferecido a mim, mesmo que demore; tenho a condição de ter dias melhores, de crescer, de amadurecer, de proteger e ser protegido dos dias de angústia.
A autossabotagem que costuma me perseguir, segundo o que venho encontrando como respostas, faz parte de uma infância sem proteção, sem segurança. Portanto, não poderia me tornar um adulto que se acha merecedor, protegido, amado. Passei muito tempo culpando os meus genitores por me sentir assim. Agora, não mais! Entendo que me deram o que poderiam me oferecer, mas eu interpretei e recebi do meu modo. Então, a guerra é minha, o campo minado é meu, as explosões podem ser trabalhadas.
O campo é largo e comprido, assim, vai ser complicado caminhar por ele sem cansaço, mas será necessário para encontrar o jardim mais adiante, pois a natureza é muito sábia!

domingo, 25 de agosto de 2019

No caderninho da Frida Kahlo

Revirando meus pertences, meus papeis no meu escritório, encontrei um caderninho, cuja capa é a estampa da Frida Kahlo.
Há textos meus nesse objeto, que foram escritos em 2016, quando enfrentava uma das grandes crises emocionais já vividas por mim.
Como sempre, não me lembro de onde estava, quando escrevi os textos. Apenas em um deles fiz menção a estar em um voo para Guarulhos/SP. Deveria ser o traslado para algum congresso na minha área de atuação.
Os textos são densos emocionalmente, pois se referem a angústias que vivi. Naquela época, já começava a faxina interior rumo ao autoconhecimento. Por não conseguir encontrar ainda o equilíbrio, a dor me parecia muito doída. Bem maior do que realmente era. Questionava o tempo, me zangava com Deus, me incomodava com o meu corpo, com o meu apartamento, com o silêncio, com o barulho, com as pessoas. E isso gerava mais ansiedade ainda.
Hoje, 2019, vi o caderninho e, não sei se por coincidência, ou por escolha do meu inconsciente, a capa é uma imagem da Frida Kahlo, artista mexicana que teve uma vida emocional e física bastante esmagada.
Estávamos juntos! Eu escrevendo em um caderno com ela me olhando o tempo todo!
Nesses três anos que se passaram, acredito não ter amadurecido tanto ainda. No entanto, vejo que já consigo acessar espaços em mim nunca visitados antes. Não sabia que existiram tralhas e mais tralhas: caixas, baús, brinquedos, choros guardados, traumas encobertos, desejos, medos, vergonhas, nomes esquecidos, nomes sempre lembrados, noites, dias, funerais, rituais, orações, viagens, despedidas, toques.
Se alguém me pedisse para destacar algo que percebo em mim com mais maturidade, eu diria: Hoje, 2019, entendo que as minhas emoções são minhas. As minhas carências são minhas e ninguém pode supri-las. Mas posso deixar a mendicância distante, lá atrás, mendigando ela mesma. Sou um homem! Sou forte! Sou bonito por dentro e por fora!
A faxina levará tempo ainda para ser concluída. Posso ser honesto? Nem sei se fazendo tantas diárias ainda conseguirei concluir, um dia, essa faxina. Embora isso, me sinto outro, por não esperar do outro, não julgar ou culpar ninguém nem a minha história. Sou quem sou hoje devido à minha história.
Pode doer vez em quando, mas já não será mais aquela dor maior do que realmente é. Minha alma está em 2019, não mais em 2016.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Pontes para uma história iluminada


Contemplo minha imagem física em um espelho procurando reinventar o que não é visível, ao perceber o quão minúsculo sou diante da entidade temporal.
Capacidade para explicar algo? Já não a tenho!
Pensei poder falar sobre sentimentos. Errei mais uma vez.
Foram anos navegando no barco do Tempo. Experiências de lá e de cá.
O Tempo novamente narra as suas crônicas, enquanto tento entendê-las. Tudo em vão!
Um ser novo, sendo agora um novo ser me mostra como tudo é possível. Veio sorrateiro, discreto. E conseguiu vencer a batalha.
Forte, destemido, corajoso, paciente.
E eu? Incrédulo!
Incrédulo até tê-lo por perto sentindo o sabor da sua pele.
Uma rosa no semáforo.
Um lençol para acalentá-lo à noite.
Brincadeiras de meninos.
Olhos. Bocas. Mãos. Palavras.
Revelação!
Angústia!
Silêncio!
Maturação!
Perdão!
Decisão!
Agora, a escolha da roupa ideal.
As tarefas divididas.
Os sonhos e planos não mais de um só.
O ser novo, sendo agora um novo ser veio me ensinar que tudo é possível.
Pratos preparados com um toque mágico de lá.
Admiração, carinho, orações e vibrações dos que ainda não te conhecem.
A escola é difícil, mas necessária.
Sim! Tudo e todos serviram de pontes para uma nova história iluminada.

E assim, surge o sentimento real, mais forte e mais puro. Estou aqui.
Vontade de estar perto da sua pele e do seu olhar. Mas o respeito por precisares de suas conquistas.
Fico aguardando em desejos dos melhores dias, do bem, do zen, do nós!

https://pixabay.com/pt/photos/ponte-p%C3%AAnsil-floresta-tropical-959853/




A sala pequena e escura do inconsciente


Por volta dos 10 anos de idade, ganhei uma máquina de datilografar de um vizinho adulto que dizia ver em mim potencial para a expressão escrita. Sempre gostei de tudo que fosse voltado para a linguagem. Embora tão menino, no início da década de 1990, a minha cabeça fervilhava de pensamentos, dificilmente interpretados, pois não tinha habilidade para isso.
Só sei que gostava de colocar aquele vendaval em um papel. Datilografava, tirava o papel, tentava fazer alguma ilustração e guardava tudo debaixo da minha cama, dentro de uma caixa de papelão. Eram meus segredos!
Onde eu usava a máquina? Em um espaço pequeno e escuro, escondido, não frequentado, entre uma parede, uma porta que nunca se abria e a Kombi estacionada do meu pai. Lá, ninguém iria tirar a minha atenção.
Enquanto as crianças da minha idade corriam nas calçadas, subiam árvores e faziam peripécias, eu escolhia escrever para acalmar o vendaval constante, que punha em risco uma vida que não vivia em paz. Ao sobrar tempo, eu corria para a rua, mas nem sempre aproveitava com qualidade as brincadeiras. Parecia que nossos mundos não se encaixavam.
Certo dia, confuso, criança, melancólico, peguei a caixa com os textos curtos datilografados, coloquei a máquina dentro e joguei tudo fora.
Ninguém nunca leu os meus textos, à época. Nem sei mais sobre o que eu escrevia.
Repeti esse comportamento várias vezes, sempre que tinha alguma crise, ao não conseguir acalmar os vendavais constantes. Colocava tudo em caixas e jogava fora.
Por uma época, me arrependi. Achei que nada daquilo deveria ter sido feito e que, hoje, eu poderia compartilhar as minhas inquietudes. 

No entanto, hoje, adulto, entendo que era o meu inconsciente quem me levava para aquele espaço escondido e escuro, e quem me fazia jogar os meus segredos no lixo dentro de caixas de papelão. Na verdade, eu descartava qualquer forma de dor. Qualquer indício de minhas ondulações psicológicas, já tinha destino certo: uma caixa de papelão no lixo.
Insegurança, trauma, crenças limitantes, carência dolorosas, choros escondidos estavam reunidos naquela sala pequena e escura do mundo físico aflorando o que estava no universo mental.
Hoje, guerreio contra esse universo mental. Não quero mais caixas de papelão e salas pequenas e escuras. Quero tudo livre, pleno, saboroso, consolidado, amigável, público.
Se eu me encontrar diante de uma sala pequena e escura do meu inconsciente, quero acender a luz, expandir as paredes, abrir as portas e caminhar livremente por elas.

Imagem de Peter H por Pixabay

quinta-feira, 27 de junho de 2019

A visita do anjo e o mar revolto do meu quarto


“Só queria que você um dia acreditasse em mim”. Um anjo, com quase 69 anos de idade, me diz isso há tanto tempo, mas eu nunca fui capaz de entender o que significava. Aquele anjo só queria me dizer que, tudo o que fazia e como fazia era para ser compreendido na sua maneira de demonstrar que ama. Eu, por minha vez, não entendia. A gente só discutia.

É muita energia, diferente da minha, ou não, com a qual não consigo lidar. São entrechoques químicos, físicos e quânticos!

Discutimos a vida inteira, porque eu cobrava um amor em atitudes (me colocar no colo, me beijar, me dar mimos, me proteger das minhas dores mais profundas, dos meus demônios insistentes).

“Só queria que você um dia acreditasse em mim”, o anjo dizia. E eu, impetuoso, insistindo que palavras eram vazias de sentido, quando não postas em prática.

O anjo, com quase 69, chegou de surpresa um dia ao meu apartamento, e eu me senti invadido. Ele disse que veio cuidar de mim, das roupas que estavam sujas, da morada que estava desajeitada.

“Vá dormir, eu cuido de tudo!”

Eu, que não acostumado a receber aqueles cuidados, briguei, quase expulsando aquela presença.
Passei a vida achando que aquele ser não tinha condições de cuidar de mim. Eu, sempre esperando o amor. O anjo, esperando que eu acreditasse. Eu, esperando, quase na mendicância, as atitudes que idealizei. E o anjo mostrando que amava como podia.

Passei dias e noites achando que sabia muito, e demais, e que tinha condições de falar sobre amor, acolhimento e empatia. Achei que aquele anjo era incapaz de sentir algo assim.
Por sua vez, o ser de luz passou anos esperando que eu acreditasse na sua forma de amar. E eu, incapaz, não entendia.

Totalmente fechado no meu mundo, fiquei me protegendo dele, dela, deles e de mim.
Ele só queria vir limpar o meu apartamento e lavar as minhas roupas, para dizer que entre nós estava tudo bem de modo singular e espontâneo, que só ele tem. E eu, engessado nas minhas idealizações em formas geométricas.

Por que até hoje fico esperando um amor que se torna um canhão e sai atirando nos meus demônios, para me proteger? Tão enquadrado sou e meu olho esquerdo não vê!

Nessa madrugada, às 03h30, acordei insone e um mar revolto invadiu o meu quarto, por começar a entender que o amor daquele ser é verdadeiro como um canhão que atira para todos os lados, para me proteger do meu cansaço, da minha correria e das distâncias do meu ser que acha saber muito e demais. 



Bem simples! Eu que não vejo! Sou incapaz!

Mas é o amor, da forma que deve ser. E, depois de ser banhado e chacoalhado pelas águas do mar que entraram em meu quarto, descobri que quero acreditar em você!

Quero acreditar e aceitar, Mãe. Vamos tentar de novo! Pode vir!








sábado, 20 de abril de 2019

Um Passarinho na Kombi Vermelha




Todo vaidoso, com as penas arrumadas na cabeça, com um bico cantador, usando calças de linho boca-de-sino, camisas de botão, ou bermudas curtas mostrando as pernas torneadas e um bundão invejável. Quem disse que passarinho não poderia ser assim?
Conheceu uma andorinha em um escritório. Cada um deles tinha um noivado. Decidiram se envolver, engravidar de um passarinho menino e largaram suas bodas sem receio.
Voaram!
Mas eram tantos voos, que nem a chuva ou o Sol os impediam. Se uniram, alugaram um ninho de barro, trabalharam duro vendendo calcinhas, cuecas e panelinhas em uma esteira na calçada de quem não enxotasse aquelas pequenas aves. Passarinhos também são criativos!
Mudaram de cidade, de estação, levaram caixas com preciosidades da sua história e do seu ninho consigo.
Nasceu o segundo passarinho menino. Cabeça grande, penas lisas, olhos arregalados e uma energia quase hiperativa. Era agora um ninho completo!
Ainda não! Faltava mais alguém! O primeiro passarinho menino decidiu voar cedo e modelar o nosso ninho, de onde nasceu outra andorinha, prematura, para alegrar os movimentos femininos na família das aves.
O passarinho da Kombi vermelha reunia todos os seus filhotes e a sua andorinha e os levava para passear. Que mundo grande! Foram muitas viagens com aquele bando. Aquele dono da Kombi vermelha nos ensinava a fazer amizades, a dar gargalhadas, a cantar, fazer contas, ler livros, a cozinhar, a cultivar plantas e a cuidar do ninho.
Como qualquer vida, nada poderia ser tão fácil para aqueles passarinhos. Os invernos chegaram fortes, rudes e pesados. Parecia que o Sol iria demorar a chegar. Mas o passarinho, dono da Kombi vermelha, com a qual resolvia tantas coisas do seu ninho, sempre tinha bom humor, assobiava, cantarolava, contava histórias e se balançava em sua cadeirinha de balanço, como quem quisesse trazer leveza ao seu ninho debaixo de fortes invernos. Contava histórias dos seus outros ninhos: eram tantos primos, tios, tias, avô e avó, sobrinhos e sobrinhas que quase não cabiam em um assobio só.
Um dia, o passarinho vaidoso, com belas pernas, penas sempre arrumadas, calças e bermudas bonitas, precisou se desfazer da Kombi vermelha. Precisou se encontrar com a sua saúde debilitada e com suas penas caindo dia a dia. Suas calças e bermudas bonitas não o interessavam mais. Ele agora não voava, pois precisava se apoiar em bengalas e muletas. Dizia, sempre, que voava ouvindo as histórias dos voos dos seus meninos.
Ele só queria as andorinhas e os passarinhos meninos por perto.
Ficou velhinho, indefeso, frágil, recolhido em seu ninho sem querer muitos festejos, muitos movimentos. Queria o aconchego para superar os invernos e as chuvas.
Em uma Semana Santa, de 2019, o passarinho decidiu descansar dos invernos e das turbulências. Chamou a sua andorinha, deitaram no ninho, seguraram as mãos, se lembraram das tantas estações, dos ninhos que tiveram, dos voos que fizeram, dos meninos, da andorinha nova, dos choros, dos sorrisos, dos assobios, das cantaroladas, das vaidades.
Disse para a sua andorinha que queria partir em um voo para o desconhecido. Não sabia para onde seria, nem o que o esperava, mas estava disposto. Escolheu seguir apertando a mãozinha da andorinha sensível, que chorou ao se despedir. Era o último aperto de suas mãos!
Os passarinhos meninos foram chamados. A andorinha nova também. Choraram ao entender que era o momento de saber sobre outros voos. Ninguém queria ficar longe daquele dono do humor, dos sorrisos, dos assobios e do ninho. Mas aceitaram, pois entenderam que aquele novo voo iria transformar o passarinho da Kombi vermelha em uma estrela reluzente no céu.
Hoje, é dia de chuva, Semana Santa, dia de silêncio, mas dia de um brilho tão especial, que nem as andorinhas saberiam explicar. 


Pai, sempre serás o nosso carequinha sorridente. Dono da Kombi vermelha. Voe e brilhe muito, para nos contar como são os outros ninhos e o céu de estrelas reluzentes.


domingo, 24 de março de 2019

A Lua em seu direito de se esconder


Ontem, noite de um sábado de março, caminhei no calçadão da orla pessoense preenchido por belos sons de uma voz, por assuntos cotidianos e por afinidades de sonhadores. Lá estava a Lua, não a nos olhar, nem a nos trair, mas sinalizando a sua indisposição para cumprir suas atividades diárias sobre nós: brilhar, tomar formas, iluminar o mar, servir de inspiração para os artistas pintarem as suas telas, acompanhar os viajantes em cruzeiros...
Ao contrário! Estava decididamente escondida por trás de nuvens noturnas deixando apenas a sugestividade da sua luz à mostra. A noite, embora no calçadão de uma vasta orla, estava quente e pouco ventilada.
Por isso, em poucos instantes, como num passe de pensamento mágico, percebi que a natureza nos dizia ter o direito de se recolher, de se recompor, de não trabalhar cotidianamente ao ponto de não a percebermos, por ser tão rotineira a sua manifestação. A natureza decidiu ficar quietinha e observadora, como se quisesse chamar a atenção de alguém.
Ao caminhar, ao olhar o céu, ao sentir o calor forte notei a minha pouca habilidade de ser grato por ter diuturnamente (e não apenas diariamente) os festejos naturais à minha frente: o brilho da lua, os ventos fortes, as ondas do mar, as nuvens, as afinidades.
https://www.foap.com/image-photo/noite-lua/page-7
A minha habilidade, ultimamente, tem sido corresponder às exigências do mercado de trabalho, do outro, das formações de pessoas com alteridade, de esclarecer algo esplêndido diante da cegueira social, de levar o remédio em tempo hábil para as doenças emocionais dos dias atuais (e vindouros).
O silêncio não tem me acompanhado há meses, bem como a habilidade para perceber a minha respiração. Não me lembro de ter tomado um café da manhã com olhos sensíveis à cor e ao sabor das frutas matinais.
Como diz a canção interpretada por Lulu Santos “somos feitos de silêncio e som”, também. A pressa e a gana por corresponder às exigências do mundo ao meu redor, a necessidade (de quem mesmo?) por brilhar, por produzir, por ter mais e mais estão me tirando o direito de me esconder por trás de minhas "nuvens noturnas" e ficar no meu silêncio e no meu som, como plenamente fez a Lua ontem, noite de um sábado de março.