segunda-feira, 12 de agosto de 2019

A sala pequena e escura do inconsciente


Por volta dos 10 anos de idade, ganhei uma máquina de datilografar de um vizinho adulto que dizia ver em mim potencial para a expressão escrita. Sempre gostei de tudo que fosse voltado para a linguagem. Embora tão menino, no início da década de 1990, a minha cabeça fervilhava de pensamentos, dificilmente interpretados, pois não tinha habilidade para isso.
Só sei que gostava de colocar aquele vendaval em um papel. Datilografava, tirava o papel, tentava fazer alguma ilustração e guardava tudo debaixo da minha cama, dentro de uma caixa de papelão. Eram meus segredos!
Onde eu usava a máquina? Em um espaço pequeno e escuro, escondido, não frequentado, entre uma parede, uma porta que nunca se abria e a Kombi estacionada do meu pai. Lá, ninguém iria tirar a minha atenção.
Enquanto as crianças da minha idade corriam nas calçadas, subiam árvores e faziam peripécias, eu escolhia escrever para acalmar o vendaval constante, que punha em risco uma vida que não vivia em paz. Ao sobrar tempo, eu corria para a rua, mas nem sempre aproveitava com qualidade as brincadeiras. Parecia que nossos mundos não se encaixavam.
Certo dia, confuso, criança, melancólico, peguei a caixa com os textos curtos datilografados, coloquei a máquina dentro e joguei tudo fora.
Ninguém nunca leu os meus textos, à época. Nem sei mais sobre o que eu escrevia.
Repeti esse comportamento várias vezes, sempre que tinha alguma crise, ao não conseguir acalmar os vendavais constantes. Colocava tudo em caixas e jogava fora.
Por uma época, me arrependi. Achei que nada daquilo deveria ter sido feito e que, hoje, eu poderia compartilhar as minhas inquietudes. 

No entanto, hoje, adulto, entendo que era o meu inconsciente quem me levava para aquele espaço escondido e escuro, e quem me fazia jogar os meus segredos no lixo dentro de caixas de papelão. Na verdade, eu descartava qualquer forma de dor. Qualquer indício de minhas ondulações psicológicas, já tinha destino certo: uma caixa de papelão no lixo.
Insegurança, trauma, crenças limitantes, carência dolorosas, choros escondidos estavam reunidos naquela sala pequena e escura do mundo físico aflorando o que estava no universo mental.
Hoje, guerreio contra esse universo mental. Não quero mais caixas de papelão e salas pequenas e escuras. Quero tudo livre, pleno, saboroso, consolidado, amigável, público.
Se eu me encontrar diante de uma sala pequena e escura do meu inconsciente, quero acender a luz, expandir as paredes, abrir as portas e caminhar livremente por elas.

Imagem de Peter H por Pixabay

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