Por volta dos 10 anos
de idade, ganhei uma máquina de datilografar de um vizinho adulto que dizia ver
em mim potencial para a expressão escrita. Sempre gostei de tudo que fosse
voltado para a linguagem. Embora tão menino, no início da década de 1990, a
minha cabeça fervilhava de pensamentos, dificilmente interpretados, pois não
tinha habilidade para isso.
Só sei que gostava de
colocar aquele vendaval em um papel. Datilografava, tirava o papel, tentava
fazer alguma ilustração e guardava tudo debaixo da minha cama, dentro de uma
caixa de papelão. Eram meus segredos!
Onde eu usava a
máquina? Em um espaço pequeno e escuro, escondido, não frequentado, entre uma
parede, uma porta que nunca se abria e a Kombi estacionada do meu pai. Lá,
ninguém iria tirar a minha atenção.
Enquanto as crianças da
minha idade corriam nas calçadas, subiam árvores e faziam peripécias, eu
escolhia escrever para acalmar o vendaval constante, que punha em risco uma
vida que não vivia em paz. Ao sobrar tempo, eu corria para a rua, mas nem
sempre aproveitava com qualidade as brincadeiras. Parecia que nossos mundos não
se encaixavam.
Certo dia, confuso,
criança, melancólico, peguei a caixa com os textos curtos datilografados,
coloquei a máquina dentro e joguei tudo fora.
Ninguém nunca leu os
meus textos, à época. Nem sei mais sobre o que eu escrevia.
Repeti esse
comportamento várias vezes, sempre que tinha alguma crise, ao não conseguir
acalmar os vendavais constantes. Colocava tudo em caixas e jogava fora.
Por uma época, me
arrependi. Achei que nada daquilo deveria ter sido feito e que, hoje, eu
poderia compartilhar as minhas inquietudes.
No entanto, hoje,
adulto, entendo que era o meu inconsciente quem me levava para aquele espaço
escondido e escuro, e quem me fazia jogar os meus segredos no lixo dentro de
caixas de papelão. Na verdade, eu descartava qualquer forma de dor. Qualquer
indício de minhas ondulações psicológicas, já tinha destino certo: uma caixa de
papelão no lixo.
Insegurança, trauma,
crenças limitantes, carência dolorosas, choros escondidos estavam reunidos
naquela sala pequena e escura do mundo físico aflorando o que estava no
universo mental.
Hoje, guerreio contra
esse universo mental. Não quero mais caixas de papelão e salas pequenas e escuras.
Quero tudo livre, pleno, saboroso, consolidado, amigável, público.
Se eu me encontrar
diante de uma sala pequena e escura do meu inconsciente, quero acender a luz,
expandir as paredes, abrir as portas e caminhar livremente por elas.
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